CHECK.UP

Fernanda
3 min readMar 14, 2023

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Bom dia, Doutor e desculpa aí meu atraso. Não, transito nada. Pensei em desistir por 15 minutos depois desistir de desistir e aí tô aqui, sabe como é, né. Não? Ah, pra que perder tempo explicando isso. É tanto pra falar. Se brincar saio daqui com umas receitas. Ah, sei lá. Tudo muito confuso, mas não quero ser repetitiva. Tá bom, você pediu. O de sempre. Desde que ela foi embora parece que eu vou embora um pouquinho cada dia, hábitos, costumes, cultura. Tudo vai sumindo enquanto a gaveta de maquiagem dela cria poeira. E começa de novo e de novo, sento no chão, conto a respiração, 1,2,3. Me mandam ouvir meditação, eu li que funciona. Mas sinceramente, eu quero sentir, talvez sejam os sentimentos certos pra retratar a falta de alguém tão grandioso. E pensar que eu que era parte dela e passei 9 meses ganhando cada pedacinho através dela. E agora eu olho pras minhas mãos que não tem um traço de delicadeza das dela e encaro minha pele pálida, com certeza preciso de vitamina D, doutor. A agonia é ver todas as veias azuis que surgem em algum lugar no meu pulso, aquela coisinha que insiste em pulsar, e elas vão subindo pelo braço construindo árvores sem folhas com galhos finos e sem direção. Entende? É assim que fica a família, doutor. Fica meio sem graça mesmo quando a gente ri, meio sem lugar, desinteressante. Meio fora de mim, mundo a parte. Demanda muita energia participar. Participar. E aí prefiro ficar sozinha, porque a solidão é bem menor que quando cercada por família sem ela do lado. É um buraco no meio da rua que me impede de atravessar completamente pro outro lado. É um buraco no meio dos meus 30 anos. Devia ter melhorado por agora, né? Mas não, não sei se o tempo cura tudo. Tudo é muita coisa doutor. Mas, fica tranquilo. Não queria soar tão melancólica. Eu como, tomo banho, trabalho, faço graça, faço cursos extras, leio, carnavalizo, vejo os filmes do Oscar, tenho encontros, quase paixões. Vivo muitos quases. Apesar dos meus “quases” não se concretizarem — e isso poder ter a ver com barreiras do inconsciente — eu estou bem, doutor. Na verdade ultimamente me sinto feliz mas, ninguém imaginaria um quebra molas na felicidade. São as insônias as enxaquecas e o “não saber o que vai ser de mim no futuro” sem meu grupo de apoio de uma pessoa só, uma só potência. E a vida adulta vem pra ensinar que eu sou meu apoio agora, e essa é a parte que me dói. Dói mais que o luto em si por ser uma luta diária. E acho normal sentir dor, essa dor que vem da mudança e não a tal da dor da enxaqueca, entende? Gente que não sente dor, não tem uma crise de choro, sei não… Nem sei se dá pra confiar. É gente que não sai do lugar.
É. Eu estou indo bem, simplesmente porque estou indo.

Ilustração por Giulia Rosa — Tears instagram.com

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Written by Fernanda

Escrevo para sobreviver, compartilho para que exista alguma prova de que sobrevivi.

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